Apresentar uma imagem pública atualizada de ciência que convive com controvérsias, contestação e probabilidades é, segundo o físico e historiador da Ciência, Olival Freire Júnior, o grande desafio de quem trabalha com o conhecimento nas universidades.
Durante a conferência “Inovação e criação na Universidade” – ministrada na abertura do XX Seminário Nacional de Bibliotecas Universitárias, realizado em Salvador, nos últimos dias 15 a 20 de abril – Freire, que é pró-reitor de ensino de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia, destacou a necessidade de “elevar a relação entre ciência e sociedade, distanciando-se da tradição positivista e neo-positivista, mas abrindo-se para a sociedade em meio às contradições do campo.”.
Junto com as controvérsias científicas e defesa da atualização das bibliotecas frente à revolução tecnológica em curso, a palestra do professor Olival marcou a série de atividades realizadas no evento intitulado “O Futuro da Biblioteca Universitária na perspectiva do Ensino, Inovação, Criação, Pesquisa e Extensão”, pois também asseverou que a ciência precisa abrir-se para o “desafio da inclusão de setores da sociedade, há tempos marginalizados, como as mulheres, afrodescendentes e populações menos favorecidas economicamente”. “Somente quando nos abrirmos para aumentar o número de mulheres, negros e pobres, seremos melhores nas ciências”, preconizou o docente que também é pró-reitor de pesquisa, criação e inovação da UFBA.
Em sua fala – apresentada no evento que, neste ano, esteve sob a responsabilidade do Sistema de Bibliotecas da UFBA – o professor enfatizou que “não é possível pensar universidade sem biblioteca e biblioteca sem universidade”, já que ambas estão relacionadas com o conhecimento e a divulgação científica. Segundo Olival, as bibliotecas antecederam a criação da universidade, que surgiu partir do século XII, enquanto muitas bibliotecas já existiam desde a antiguidade, relembrou.
Ao acentuar a estreita ligação entre as duas instituições, o professor do Instituto de Física da UFBA, aproveitou a oportunidade para fazer um alerta sobre as ameaças que atualmente pairam sobre o conhecimento, principalmente os cortes impostos pelo financiamento público. “É preciso entender porque ressurgiu na sociedade, o mal-estar em relação à ciência”, disse ele, relembrando o conflito entre Galileu e a Igreja Católica, destacando que as disputas estabelecidas com a ciência sempre se originam em uma camada da sociedade e “ilustra a dificuldade e a desconfiança em referência ao campo científico”, disse o pesquisador.
A tese da desconfiança quanto ao conhecimento foi reforçada por Freire, mediante uma recapitulação de diversos momentos históricos relevantes para o desenvolvimento científico no Brasil, desde a época colonial até os dias atuais. “Antes mesmo dos colonizadores europeus chegarem aqui, já havia produção de conhecimento pelos povos indígenas”, relembrou o professor, engrandecendo também, as contribuições dos escravizados africanos que trouxeram conhecimentos importantes de suas culturas para o nosso país”. Entretanto, tais conhecimentos “foram preteridos em relação aos saberes trazidos pelos europeus”, enfatizou o historiador da ciência.

A conferência marcou a abertura do XX Seminário Nacional de Bibliotecas Universitárias – O Futuro da Biblioteca Universitária na perspectiva do Ensino, Inovação, Criação, Pesquisa e Extensão.
A ciência no Brasil
Olival traçou a trajetória da ciência no Brasil, ressaltando o papel de instituições como a Biblioteca do Colégio de Jesus (Colégio dos Jesuítas), que funcionou no prédio da atual Faculdade de Medicina da Bahia, no Centro Histórico de Salvador. Do mesmo período colonial, também foram lembrados o astrônomo Valentin Stansel, cujas observações sobre cometas, em Salvador, na Bahia e no Brasil, foram citadas na obra “Princípios da Matemática” de Isaac Newton.
No período imperial, o professor lembrou a atuação do imperador Dom Pedro II que era conhecido como “amigo das artes”, devido ao zelo demonstrado pelo governante diante do conhecimento. Ele também lembrou a fundação de instituições científicas no século XIX como a Biblioteca Nacional, o Observatório Nacional e o Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
O desenvolvimento de instituições de pesquisa como a Fiocruz e a Fundação Carlos Chagas foram lembrados como marcos do início da república no Brasil e o grande salto científico e tecnológico, verificado após da segunda guerra mundial. Os anos de 1950 foram verdadeiramente, “anos de ouros” para as ciências no Brasil, considerou Olival, pois data desse período o surgimento de instituições voltadas para o desenvolvimento tecnológico como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Petrobrás e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
O palestrante lamentou o fenômeno da “evasão de talentos” que marcou parte dos anos de 1960, devido ao momento político conturbado no país e a ausência de priorização dos investimentos para as ciências, o que “precarizou as pesquisas e pauperizou a vida de muitos cientistas”. Para Olival, os anos de 1980 e 1990 foram “décadas perdidas também para as ciências”. Contudo, ele destacou os três períodos de maiores incentivos governamentais para as ciências no Brasil: o segundo governo do presidente Getúlio Vargas; parte do período militar na década de 1970 e os dois governos do presidente Luís Inácio da Silva seguidos pelo primeiro da presidente Dilma Rousseff.