
Na mesa de abertura, o conferencista Zulu Araújo, o vice-reitor Paulo Miguez, a pró-reitora de Ações Afirmativas Cássia Virgínia Maciel e o representante da Associação Nacional de Pós Graduandos, Flávio Franco
A aprovação pelo Superior Tribunal Federal (STF), em 2012, da legalidade do sistema de ingresso por cotas nas universidades federais foi uma vitória não apenas da população negra, mas “a maior vitória de toda a sociedade brasileira”. A afirmação é de Zulu Araújo, diretor geral da Fundação Cultural Pedro Calmon (órgão ligado à Secretaria de Cultura do Estado), que abriu as atividades do Novembro Negro da UFBA, ciclo de debates, eventos culturais e lançamento de novos editais realizado pela Pró-Reitoria de Assistência Estudantil e Ações Afirmativas (PROAE) entre os dias 23 e 25 de novembro.
Para Araújo, entretanto, “ação afirmativa não se resume às cotas”, mas sim a todo um conjunto de políticas públicas direcionadas a garantir a permanência dos estudantes negros, indígenas, LGBTs e pessoas com deficiência na Universidade. “Não estou falando só de bolsa. Permanência significa reestruturar toda a Universidade para recepcionar e agregar um contingente gigantesco de estudantes que adentrou recentemente, proporcionando ‘condições normais de temperatura e pressão’ para que eles exerçam plenamente suas trajetórias”, resumiu. A UFBA foi uma das primeiras universidades brasileiras a adotar o ingresso por cotas nos cursos de graduação, em 2004.
Zulu foi saudado pelo vice-reitor Paulo Miguez, que recordou a amizade de longa data com o ex-presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP) e ex-diretor do Grupo Cultural Olodum. “A luta contra o racismo se faz em várias frentes, de várias formas, e a UFBA está fazendo a sua parte”, afirmou o vice-reitor, elencando medidas recentes da reitoria, como o pacote de ações de revitalização do Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), a oferta de 45 bolsas de ações afirmativas para pós-graduandos, a confecção de uma minuta de regulamentação interna das cotas nos processos seletivos para a pós-graduação e a criação da Ouvidoria da Universidade. A mesa foi coordenada pela pró-reitora Cássia Virgínia Maciel, e foi saudada pelo representante da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) Flávio Franco, mestrando em Relações Internacionais da UFBA.
Preocupado com o cenário político brasileiro atual, Araújo alertou para a necessidade de luta unificada de professores, técnico-administrativos e estudantes para que não haja retrocessos, como, por exemplo, o congelamento das verbas da educação por 20 anos proposto pela PEC 55, que tramita no Senado; a substituição do critério de auto-declaração da condição étnico-racial por avaliações de comissões baseadas em características fenotípicas dos candidatos; e mesmo uma eventual revisão redutora da política de cotas. “Ações afirmativas é lei: não é ‘polêmica’, não é pauta ‘em discussão’. O que está em discussão é a permanência desses jovens na Universidade, porque as políticas públicas atuais ainda são insuficientes”, ponderou.
Zulu Araújo recordou alguns dos principais desafios enfrentados no processo de convencimento social e político que culminou na aprovação da Lei nº 12.711/2012, que garantiu a reserva de 50% das matrículas nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos de escolas públicas, com proporcionalidade étnico-racial de acordo com a distribuição da população de cada Estado.
Na análise de Araújo, a implementação das políticas de ações afirmativas no Brasil se deu “não apenas pela radicalidade do discurso” de um ou outro indivíduo ou movimento isoladamente, mas sim pela soma de um conjunto de fatores da conjuntura social e política do país, sobretudo a partir de 2003: a mobilização do movimento negro, o arco de alianças políticas favoráveis, o amadurecimento do debate social sobre igualdade e o cenário de abertura democrática, que permitiu que o tema fosse pautado. “E mesmo assim, o debate sobre cotas foi feito aos trancos e barrancos.”
O diretor da FPC recordou que, mesmo no interior do governo Lula, não havia unidade em torno da ideia das cotas. “O primeiro debate sobre o assunto foi feito em 2004, no Seminário “O Negro na Universidade”, promovido pela FCP. O governo estava dividido: o ministro da Educação à época, Cristovam Buarque, era contra. Quem deu o apoio [no interior do governo] foi o ministro [da Cultura] Gilberto Gil”, recordou. “Na época, de cada 10 matérias nos jornais sobre as cotas, 9 eram contrárias”, lembrou, “mesmo com 66% da população a favor, segundo as pesquisas”.
Araújo observou ainda que não há uma vinculação necessária entre racismo e um ou outro lado da luta ideológica. “Racismo não é sinônimo de direita. Uma parcela significativa da esquerda era contra as cotas, de um ponto de vista radical, e usava ‘argumentos progressistas’”. E opinou: “Cotas não devem ser eternas. Querer cotas eternamente é desejar que a discriminação seja eterna. A cota é uma briga para acelerar o processo de entrada na universidade [a estudantes pobres, negros, indígenas] até que as oportunidades sejam iguais”, observou, recuperando uma estimativa da FCP de que, com as cotas, o Brasil atingiria “em 10, 20 anos” um patamar de igualdade nas universidades que, sem elas, “levaria 100 anos”.