
Jaqueline Moll: fechamento de escolas e redução do número de estudantes matriculados em instituições com jornada ampliada
A professora Jaqueline Moll, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apresentou a conferência “Educação Integral como Política de Direito: Meta 6 do PNE, como?”, na abertura do Congresso Baiano de Educação Integral, realizada terça-feira, 12 de junho, no salão nobre da Reitoria da UFBA.
“Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica” é o que está posto na meta 6 do Plano Nacional da Educação (PNE), aprovado em 2014.
Apesar da meta estabelecida, a conferencista denunciou o fechamento de escolas e a redução do número de estudantes matriculados em instituições com jornada ampliada nos últimos anos. Responsável pela criação e implantação do programa ‘Mais Educação’, no período em que foi diretora de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica no Ministério da Educação (MEC), de 2007 a 2013, ela também criticou o desmonte que atingiu o programa.
De acordo com Jaqueline Moll, o ‘Mais Educação’ apresentou retornos expressivos com a ampliação do conjunto de experiências oferecidas aos estudantes. Atividades de voz e corpo, por exemplo, repercutiram na melhoria de desempenho dos estudantes em outras disciplinas, conforme revelam pesquisas apresentadas pela professora, que acrescentou que o programa atualizou conteúdos e métodos de fazer política pública, colocando a escola como protagonista desse processo e com a construção de redes horizontais de colaboração no país inteiro.
“Através do programa pensamos a educação como um projeto de nação, que inclui educação, cultura, artes, esportes, justiça, desenvolvimento social, etc”. No entanto, segundo apontou, o ‘Mais Educação’ foi desarticulado pelo atual governo, através do decreto nº 1144/2016 – após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, passando a adotar uma visão de educação instrutiva e com foco apenas na melhoria do desempenho dos estudantes em disciplinas isoladas, sem ações para a integração da escola com a comunidade e sua história e nem a problematização das questões sociais.
Em sua fala, Jaqueline Moll destacou a figura do educador Anísio Teixeira, que defendia que os jovens tivessem pelo menos 7 a 8 horas de atividades formativa nas escolas, e apontou a importância de uma formação acadêmica de qualidade com experiências em campos significativos como os da cultura e das artes. “Tudo isso faz com que a latência se transforme em potência”, avalia.

Estudantes da Escola Municipal Vereador Péricles Reni de Souza
Conforme observa, o golpe que interrompeu a democracia no país em 2016 tem afetado diretamente a educação e prejudicado a efetivação das metas do PNE. “A gente chora o Brasil e a crueldade da elite brasileira, que coloca uma parcela da população à margem da sociedade e lhes nega direitos básicos”, disse ela, que denunciou o fechamento de escolas, especialmente as escolas do campo, e defendeu “nenhuma escola a menos”.
Para Jaqueline Moll, a nação brasileira gera riquezas suficientes para assegurar a educação integral e essa precisa ser uma decisão que faz parte de um projeto de desenvolvimento nacional. Ela também avalia como fundamental a necessidade de investimento na carreira e salário dos professores, bem como em novas práticas pedagógicas, com a escuta e participação ativa dos estudantes, pluralismo de ideias, respeito à liberdade e apreço à tolerância. Questões de gênero e a homofobia, por exemplo, devem ser discutidas na escola.
A professora acredita que é preciso romper com a noção de educação como instrução e investir em educação integral de fato. A recente reforma do Ensino Médio por meio de medida provisória foi avaliada como mais um equívoco desse governo. “Essa reforma oficializa a precariedade da educação para a classe trabalhadora”. Ela também condenou a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que no seu entendimento não conduz a uma formação completa e regride a ideia da educação instrutiva. “Estamos em um momento de menos educação”, destacou.
Os altos índices de evasão escolar e os problemas de infraestrutura foram comentados durante a conferência, assim como os desafios para a universalização do acesso e garantia de permanência – “algo que nunca se realizou em nenhuma geração no Brasil”, afirmou Moll, que caracteriza a escola básica ainda como tardia, excludente, discriminadora, silenciadora e vertical. “A despeito das iniciativas exitosas, ainda temos muito o que avançar”, avalia ela, que citou Darcy Ribeiro, para quem “a crise da educação brasileira não é uma crise, é um projeto”.
A conferencista citou um trecho no manifesto dos pioneiros da Educação Nova, de 1932, para comparar as demandas daquele tempo com a realidade atual, ainda marcada por problemas semelhantes. Entre os problemas elencados, a falta de diretrizes para uma política de educação a longo prazo. A professora citou as interrupções que continuam afetando os planos municipais de educação a cada gestão por razões políticas. “Que as escolas estejam menos submetidas às inconstâncias partidárias”, desejou. Por fim, afirmou que a democracia foi duramente golpeada no Brasil e decretou: “Não existe escola de qualidade sem democracia plena”.
O Congresso Baiano de Educação Integral foi organizado pela Faculdade de Educação da UFBA em parceria com o Comitê Territorial Baiano de Educação Integral e Integrada, a União de Dirigentes Municipais de Educação da Bahia (UNDIME/BA). A programação do evento seguiu até o dia 14 de junho com diversas atividades realizadas em grupos de trabalhos, mesas de diálogos e apresentações culturais no Instituto Anísio Teixeira (IAT).
Mesa de Abertura
O primeiro dia do evento reuniu professores, gestores e representantes de entidades de classe em uma mesa institucional que antecedeu a conferência da professora Jaqueline Moll. O evento contou com uma bela apresentação de dança de estudantes da escola municipal vereador Péricles Reni de Souza, de Simões Filho, ao som de músicas da cultura afro-brasileira, e sob a coordenação das professoras Nilde Dultra e Janilce Oliveira. Na direção da escola está Doraci Neves.
O presidente da União de Dirigentes Municipais de Educação da Bahia (UNDIME/BA), William Panfile, denunciou o desmonte da política de educação integral no país, que tem gerado prejuízos na formação dos filhos da classe trabalhadora. Ele apontou a falta de recursos para os municípios e a redução do número de estudantes matriculados nessa modalidade de ensino, que está muito abaixo da meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação.

Pró-reitor de Ensino de Graduação da UFBA, Penildon Filho: congresso com participação de professores e estudantes dos territórios de identidade
Penildon Silva Filho, pró-reitor de Ensino de Graduação da UFBA, destacou a representatividade do congresso que contou com a participação de professores e estudantes dos diversos territórios de identidade do Estado. Em sua fala, lembrou de Anísio Teixeira “que foi o primeiro educador a sinalizar a existência de dois sistemas de educação no Brasil: um para a classe trabalhadora e outro para a elite”. Com a reforma do ensino médio, segundo observa o pró-reitor, essa realidade está se repetindo. “Algo que Anísio já criticava em 1930”.
A emenda constitucional aprovada pelo congresso brasileiro que determina o congelamento dos investimentos públicos na área social por 20 anos prejudicará o cumprimento do Plano Nacional de Educação, conforme avalia o pró-reitor. “A medida revoga o que está disposto na própria constituição federal. Estamos vivendo muitos retrocessos”, alertou.
Penildon falou de sua experiência em recentes visitas aos territórios de identidade baianos e do contato com as escolas, que permitiram conhecer melhor as realidades locais e programar a oferta de cursos de formação, seja através da Universidade Aberta do Brasil (UAB), do ensino a distância e de cursos de especialização. “Estamos abertos para parcerias com as secretarias estaduais e entidades como a UNDIME para atender os professores da rede nos diversos cursos”.
A professora Marize Carvalho, coordenadora geral do evento promovido pela Faculdade de Educação da UFBA (FACED), avaliou o congresso como uma oportunidade de articular e expandir as atividades da instituição para toda Bahia, com ensino, pesquisa e extensão. Além disso, permite à universidade uma rica troca de experiências junto às escolas que atuam na educação integral. “Fazer esse congresso na atual conjuntura é uma resistência e afirmação da importância da educação em suas múltiplas dimensões. É um momento estratégico para fazer frente ao desmonte da educação, da saúde e das políticas públicas como um todo”.
A professora da rede estadual de ensino Laís Souza, que representou o secretário estadual de Educação Walter Pinheiro, disse que é preciso refletir como avançar apesar do cenário de dificuldades e reconhecer que as escolas não estão apartadas da vida real. Ressaltou o exemplo de escolas baianas que se tornaram referência de educação integral, com formação no tempo ampliado.
O diretor da FACED Cleverson Suzart, diante do público formado por representantes de escolas de muitas cidades do interior baiano, falou sobre a importância da educação atrelada às questões sociais e reafirmou o compromisso da instituição de ensino de atuar junto aos municípios para o desenvolvimento da educação básica.