Uma das referências na Física de partículas e altas energias no Brasil, Alberto Santoro é professor de Física da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Aos 77 anos, pode se orgulhar de ter construído uma notável carreira científica, a despeito das perseguições políticas da ditadura civil-militar (1964-1985) que atrapalharam bastante a sua trajetória. Graduado em Física na Universidade de Brasília (UnB), doutor pela Sorbonne – Universidade de Paris VII, personagem fundamental do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, por muitos anos, Santoro tem mais de 700 trabalhos publicados em revistas científicas altamente conceituadas.
Santoro fez parte também do famoso experimento DZero (D0) do Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory) que descobriu o quark top, uma partícula elementar que já havia sido postulada pelos físicos teóricos há tempos, mas só foi encontrado pelos físicos experimentais em 1995. Ele também é pesquisador ligado ao Conselho Europeu de Pesquisa Nuclear, o famoso CERN, dono do Grande Colisor de Hádrons (o LHC, com seu anel acelerador de partículas subterrâneo de 70 quilômetros de comprimento), que se destaca pela descoberta do Bóson de Higgs ou “Partícula de Deus”, considerada a peça que faltava na atual teoria da física de partículas, em julho de 2012.
Na entrevista que concedeu ao Edgardigital em setembro passado, quando veio a Salvador participar na UFBA do encontro internacional da Escola de Física de Altas Energias, a LISHEP 2018 (da sigla em inglês, International School on High Energy Physics), Santoro falou sobre o avanço da pesquisa da física de partículas no Brasil e no mundo e fez um alerta à desvalorização da pesquisa no país, com a falta de recursos que a inviabiliza nas mais diferentes áreas. Citou, por exemplo, o incêndio do Museu Nacional, em 2 de setembro de 2018, como triste atestado do descaso do poder público para com a ciência.
Manauense, Santoro iniciou sua graduação no curso de engenharia elétrica no Instituto Eletrotécnico de Itajubá – conhecida hoje como Universidade Federal de Itajubá, Unifei, em Minas Gerais – mas, após visitar seu irmão, o famoso músico e maestro Cláudio Franco de Sá Santoro (1919 – 1989) – professor fundador do Departamento de Música da Universidade de Brasília (UnB) e fundador da Orquestra do Teatro Nacional de Brasília, rebatizada em sua homenagem para Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro -, Santoro se apaixonou pela então jovem Universidade de Brasília. Em 1962, não havia ainda o curso de física, criado apenas um ano depois, período que Santoro cursou disciplinas da Faculdade de Arquitetura. Entre seus professores, Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Athos Bulcão. Depois, já estudando física, foi aluno de Roberto Salmeron, que foi o brasileiro pioneiro no estudo da Física nos aceleradores do Cern – em inglês, Organização Europeia para Pesquisa Nuclear).
Os estudos em Brasília foram interrompidos em razão do golpe de Estado de 1964, que trouxe demissões – a exemplo do então reitor Anísio Teixeira – e perseguições políticas a professores e estudantes, entre eles, Alberto Santoro e seu irmão. Nesse período politicamente conturbado, a conclusão dos estudos em física ocorreu apenas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1969. No mesmo ano, começou a trabalhar no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), local em se licenciou para estudar no Centro de Estudos Nucleares de Saclay, na França, com bolsa do governo francês. Retorna ao CBPF, onde fica de 1977 a 2001, quando então é selecionado para professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
O que é, em termos leigos, a física de partículas?
A física de partículas é principalmente a física que estuda as interações mais fundamentais da natureza e os seus primeiros tijolos, ou seja, as partículas mais fundamentais e as interações entre elas. Ela propõe que, conhecendo as interações e os primeiros tijolos, você pode reconstruir aos poucos todo o universo até chegar a compreender como nós somos constituídos e de quê. É um modo de nos entendermos no mundo em nossa forma mais fundamental.
E para o campo da pesquisa voltada ao desenvolvimento tecnológico, qual a importância da física de partículas?
Ela é importantíssima e atua em todas as áreas. Só para dar um exemplo, gravar esta entrevista, ver TV ou o WWW, que permite que nos comuniquemos com facilidade, tudo isso foi inventado lá no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern – [sigla em francês]). A invenção do WWW foi feita porque os físicos precisavam de um instrumento de computação e rede que fizessem uma comunicação rápida de dados. Então, Tim Berners-Lee (1955 – ) era chefe de um grupo de pesquisa em computação e inventaram o WWW. Daí, explodiu para o mundo inteiro. Não existe uma revolução tecnológica maior no nível da comunicação. Ela atua nas relações pessoais. Hoje você namora por intermédio do email ou redes sociais, faz negócios, vende e compra. Na cultura, pode-se viajar para Paris e ver o Museu do Louvre de seu computador, entre outros. Isso foi inventado no Cern, como também grande parte da instrumentação médica moderna, principalmente de imagens
Como se deu a evolução da pesquisa da física de partículas no Brasil?
Por volta de 1934, o governador de São Paulo mandou uma comissão dirigida por Theodoro Ramos (1895 -1937), que era diretor de instituições de pesquisa em São Paulo, na época. Ele foi para Europa contratar pesquisadores de todas as regiões e lá entrou em contato com Enrico Fermi (1901-1954), que era um grande físico italiano, e após esse contato, Fermi sugeriu o Gleb Wataghin (1899 – 1986), que veio ao Brasil e formou então o primeiro grupo de física de altas energias em São Paulo. Esse grupo evoluiu, depois juntaram-se José César Leite Lopes (1918-2006), César Lattes (1924 – 2005), Jayme Tiomno (1920 – 2011) e fundaram, com o apoio de Getúlio Vargas (1882 – 1954), o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Após o suicídio de Getúlio, parou tudo. Aí veio a nova iniciativa de Roberto Salmeron (1922 – ) e Darcy Ribeiro (1922 – 1997), que aconteceu na Universidade de Brasília (UnB), mas durou pouco tempo por causa do golpe de 64. Depois, destaca-se a iniciativa de Leon Lederman (1922 -) que nos convidou para começar um grupo no Fermilab[1] nos Estados Unidos, de Física experimental de alta energia. Em seguida, fomos para o Cern (Centro Europeu de Pesquisas Nucleares). De lá para cá, continuaram a ser multiplicar os físicos, os grupos, e as instituições que se envolveram nesse estudo da Física.
Como o senhor vê o cenário brasileiro de pesquisa atualmente?
Eu vejo um cenário tenebroso, porque faltam recursos para tudo. O que não é unicamente para nós, mas para todo mundo. Haja vista o incêndio de Museu Nacional, que é consequência de um abandono institucional, ou seja, não da instituição em si, mas do governo de não passar verbas adequadas para sustentar o Museu com todas as suas necessidades de manutenção, num museu que era muito especial. Então, atualmente, ou eles mudam essa política de cerceamento ou a pesquisa científica vai para o brejo. E ela já está desaparecendo, pesquisadores estão indo embora. É um cenário desolador e nós (da Física) não escapamos disso.
Como se dá a participação brasileira na pesquisa realizada junto ao Grande Colisor de Hádrons, projeto do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern)?
O acelerador foi importantíssimo para as pesquisas atuais. É como se fosse um grande telescópio para os astrônomos. É um centro poderoso, onde se pode fazer experiências incríveis e, só no meu experimento, somos 4 mil cientistas, 150 instituições e mais de 50 países. Só aí gera uma lida de cultura integrada muito grande. É um aparelho grande e extremamente importante, tem 27 km de comprimento e fica a 100m de profundidade. A participação brasileira se dá somente devido ao heroísmo dos físicos brasileiros. O Brasil contribui muito pouco para as pesquisas que estamos fazendo. Nós não temos um país representando lá, os outros têm.
[1] Fermilab é um laboratório especializado em física de partículas de alta energia do Departamento de Energia dos Estados Unidos localizado em Batavia, próximo a Chicago, no estado de Illinois.